O Ciência sem Fronteiras e o retorno dos estudantes

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Galera, francamente. Hoje vindo trabalhar, conversando com a Mar ela me contou que o programa Ciência sem Fronteiras do Governo do Brasil estaria obrigando retornar ao país algumas centenas de estudantes que foram selecionados para o processo e que já estão estudando nos países para onde foram selecionados há cerca de alguns meses.

O motivo da chamada de retorno? Os alunos não têm proficiência no idioma exigido. Mas calma. Antes de começar o apedrejamento e o “mi-mi-mi”, vamos por partes. Passei algumas horas pesquisando e ainda não me vejo satisfeito pelo que descobri.

O Programa

O Ciência Sem Fronteiras (CsF) foi lançado em 2011. Seu objetivo era permitir que estudantes de cursos nas áreas de tecnologia fizessem intercâmbio com instituições em vários países do mundo, custeados basicamente pelo Governo brasileiro. Entre as exigências da candidatura, estavam:

  • ser brasileiro ou naturalizado;
  • ser aluno de um curso de tecnólogo, graduação superior, mestrado, doutorado ou pós-doutorado;
  • ter tido nota mínima de 600 pontos no ENEM;
  • ter no mínimo 20% do curso concluído
  • comprovar nível intermediário ou avançado do idioma utilizado no país onde aplicara sua candidatura.

As universidades estavam no Canadá, Austrália, Itália, Portugal, Alemanha, Japão, França, Irlanda e Estados Unidos. A bolsa paga pelo governo incluía passagens, seguro saúde, material didático e ajuda de custo para instalação. Isso sem falar em curso de idioma nos casos onde o nível do candidato não fosse considerado suficieente. Até aqui a idéia parece realmente fantástica. Como ex-estudante de uma universidade pública, isso ia ser estímulo suficiente pra eu ficar dias sem dormir, esperando o resultado da seleção. Mas entre a empolgação de universitário e a realidade da implantação do programa, as coisas começaram a tomar um rumo conhecido pra muita gente.

Portugal de fora

Apesar do grande número candidaturas ao programa, até Julho de 2013 apenas 29 mil vagas das 101 mil oferecidas tinham sido completadas. Buscando facilitar o processo (e não queimar ainda mais a cara), o Governo reduz as exigências dos idiomas para várias universidades. O principal idioma em questão é o inglês.

Era óbvio que a questão da redução do idioma iria dar “pano pra manga”. Em Março de 2013, a Coordenação da CAPES emitiu uma nota dizendo que mais de 93600 candidatos “do programa Ciência sem Fronteiras para estudos em Portugal apresentaram pontuação acima de 600 pontos no exame ENEM” e aqueles “elegíveis” poderiam ter suas candidaturas transferidas para outros países.

Os selecionados teriam direito a até 6 meses de curso de idioma em tempo integral para que obtivessem “nível de proficiência linguística necessário, a possibilidade de imersão de forma eficiente e rápida no aprendizado do idioma estrangeiro antes do início do curso”.

Por quê tanta gente se inscreveu para estudar em Portugal? Ora, não é novidade que o nível do inglês ensinado nas escolas brasileiras não é suficiente nem pra assistir a um episódio de Bob Esponja em idioma original (justiça seja feita, o Bob Esponja em inglês realmente é bizarro em alguns momentos). Na minha opinião, quem não tinha sequer inglês instrumental, se candidatar para uma vaga em país lusófono parecia perfeito.

Segundo o governo, Portugal seria excluído do programa por já haver recebido um grande número de estudantes. Isso sem falar que “eles não dominariam uma segunda língua” (SEGUNDA LÍNGUA?! SÉRIO MESMO?!) Nessa brincadeira, 3.445 estudantes tiveram de escolher outro país e viajariam sem ter proficiência no do país para onde iriam.

A realidade era outra. 70% dos bolsistas que já estavam estudando em Portugal diziam que o nível das instituições era ainda mais fraca do que aquelas onde estudavam no Brasil. Além disso, sendo o segundo país com o maior número de aplicações, isso deixava um gargalo no programa por conta da falta de maestria em outros idiomas. Isso sem falar que a intenção principal do programa era que os envolvidos tivessem acesso a desenvolver laços com pesquisadorse de vários outros países e eventualmente aumentar o número de pessoas envolvidas em pesquisa científica do país.

Lembrando que o edital falava em “até” seis meses de curso de idioma. Cada caso dependia do julgamento da instituição para onde eles seriam encaminhados. Dependendo do caso pode nem ser tanto assim. No caso da Alemanha, “os três meses de curso são insuficientes”, diz Dieter Gern, assistente administrativo do Instituto Goethe de São Paulo. “Para um estudante estrangeiro seriam necessários ao menos quatro.”

O aviso de retorno

Dos quase 3.500 estudantes que escolheram outro país, 80 alunos que estão no Canadá e 30 na Austrália, receberam uma notificação do MEC dizendo que seu contrato havia sido terminado e que eles deveriam retornar ao Brasil. O motivo? Não haviam obtido o nível mínimo de inglês necessário para frequentarem o curso, e aparentemente muitos mais ainda devem retornar. Opiniões como “Em nenhum momento o estágio foi condicionado a notas de proficiência em inglês”, dada por uma bolsista do programa, parecem meio perdidas considerando que você está fazendo um curso em inglês, em um país onde o inglês é o idioma oficial.

Quanto às notas e o programa, de acordo com outros estudantes, caso o cronograma do programa e dos exames fosse cumprido, isso seria suficiente para que eles fossem aprovados e fizessem o curso nas universidades onde foram matriculados. De acordo com um documento enviado em setembro de 2013, a coordenação do programa no Canadá, diz que os exames começariam a ser realizados em março e abril. Segundo um dos bolsistas, as provas começaram a ser aplicadas em janeiro, mas o Capes afirma que as provas começaram a ser realizadas em fevereiro.

Um grupo de estudantes do programa resolveu fazer uma manifestação em frente à prefeitura de Toronto exigindo que a decisão seja rescindida e que eles tenham uma segunda chance para fazerem os exames de idioma novamente.

Por sinal, o exame em questão é O TOEFL, exigido para qualquer estudante estrangeiro que não tenha o inglês como seu idioma de formação.

Links

  • Critérios de seleção do CsF
  • Falhas no program Ciência sem Fronteiras
  • Governo reduz exigência de inglês
  • Ciência sem Fronteiras: mudança não garante curso
  • Governo reduz exigência de idiomas
  • CAPES manda 110 bolsistas voltarem ao Brasil por baixo nível de inglês
  • Bolsistas brasileiros no Canadá questionam chamado de retorno do governo
  • MEC manda 110 bolsistas voltarem do exterior sem estágio
  • Manifestação de bolsistas do Ciência sem Fronteiras no Canadá