Como o Canadá me ajudou a sair do maniqueísmo político

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Vamos falar um pouco de política – mas não exatamente da eleição do dia 21.

Eu sou e sempre fui um monstrinho político, no sentido de acompanhar e analisar políticas e pessoas, para entender a evolução social e cultural do ambiente onde vivo e me encontro. Cheguei a estudar Ciência Política, mas não consegui concluir o curso de bacharelado por conta das circunstâncias da vida. O que por muito tempo foi apenas a busca por um entendimento mais lógico de como as coisas funcionam se tornou também um exercício de empatia. Entretanto, temos uma tendência natural de dividir as coisas entre certo e errado, bem e mal, nós e eles. Essa visão é conhecida como maniqueísmo. Isso também ocorre na política, e nada pior para o bom convívio social e desenvolvimento humano que o maniqueísmo político. A prova concreta disso é a situação caótica provocada por um ambiente reducionista, divisivo e dualista no Brasil nos dias de hoje. 

Mas não estou aqui para falar de cenários políticos do Brasil, tampouco do Canadá, com uma eleição federal iminente e incrivelmente disputada, como há muito tempo não se via na história do país. Já explorei o assunto aqui mesmo nos podcasts especiais sobre as eleições. A conversa aqui será diferente. Será como analisar a política canadense e toda sua complexidade me ajudou a enxergar as coisas menos no preto-e-branco. Como tudo na vida, a política também é um grande espectro de cinza. É sobre isso que quero compartilhar com vocês.

Uma Breve Apresentação

Em primeiro lugar, gostaria de me apresentar ao público leitor deste portal fenomenal que é o Canadá Agora. Meu nome é João Gonçalves Junior, e tenho 39 anos. Há pouco mais de três anos, pesquisei possíveis alternativas para imigrar. Meu objetivo foi buscar viabilizar horizontes e valores íntegros, algo que infelizmente o Brasil tem progressivamente deixado de oferecer, mesmo para pessoas privilegiadas como eu.

Assim sendo, após considerar dentre as alternativas Austrália, Nova Zelândia e Espanha, voltei minha atenção e esforços para o Canadá. Não só pelo conjunto de oportunidades que o seu sistema de imigração oferece, como também pelo seus valores e princípios essenciais. Em especial no que tange o esforço do país em valorizar a equidade das pessoas.

Como resultado, comecei a me movimentar efetivamente para imigrar no começo de 2017. Depois de muita luta – e um pouco de sorte, recebi um convite da província de Ontario em junho de 2017. Em fevereiro de 2019, após idas e vindas burocráticas e documentais, tive minha residência permanente aprovada.

Estive em Toronto em maio de 2019, para finalizar o processo de imigração (também conhecido como Landing), mas precisei voltar ao Brasil para terminar de finalizar alguns compromissos pessoais e profissionais. Volto ao Canadá em abril de 2020.

Você provavelmente já deve ter lido algum comentário meu em algum grupo de Facebook relacionado a brasileiros no Canadá, isso se não me viu dar pitaco sobre consultorias de imigração. Também dei meus pitacos aqui mesmo no Podeixar, ainda no ano passado. Em todas as comunidades aonde me envolvi, sempre mostrei disposição em colaborar e acrescentar à comunidade. Afinal, se é para construir e acrescentar, toda ajuda é válida. Foi pensando nisso que aceitei o convite do Japa para colaborar com o Canadá Agora.

Maniqueísmo político: o que é, e porque é tão atraente?

Descrevi brevemente o que é o maniqueísmo no início desse post, mas agora vamos entender melhor o que é esse tal de maniqueísmo político, e por que, embora seja terrivelmente divisivo e nocivo, é uma ideia que atrai tantas pessoas.

O maniqueísmo é uma ideia de fácil compreensão, e que, embora tratada inicialmente como uma heresia na filosofia cristã, teve sua aceitação rapidamente assimilada e ampliada. O motivo disso é simples: a dualidade é um raciocínio de fácil entendimento. Dividir as coisas em duas dimensões simplifica a compreensão de um assunto ou raciocínio. Não é à toa que os contos de fadas e estórias infantis são contadas sob uma abordagem maniqueísta.

O mesmo se aplica à política. Descrever correntes e filosofias políticas em termos de certo x errado ou nós x eles auxilia tanto no entendimento de uma matriz de princípios, quanto em angariar aliados e militantes. Não é à toa que a noção mais popular de política é a esquerda versus direita, cujas raízes estão na Revolução Francesa. A visão simplificada da direita como guardiã de valores e princípios tradicionais, e da esquerda como militante de revoluções e quebas de paradigmas. Entretanto, essa visão dualista impede que as pessoas compreendam melhor o fato de que existe espaço para evolução da sociedade, com a manutenção de princípios sociais de ordem e existência de direitos e deveres.

Certo, mas e o que o Canadá tem a ver com isso?

Ao longo do tempo em que fui estudando a política canadense, e durante as discussões do podcast, tive alguns estalos a respeito de como a complexidade da política canadense, e o Canadá como um todo, quebram os paradigmas dualistas de um maniqueísmo político. Quase todos os partidos políticos apresentam ao menos uma proposta que destoa completamente de sua suposta matriz ideológica, seja pelo pragmatismo de sua atuação prática, seja pela sua própria matriz propositiva.

Acredito que não exista um exemplo melhor para descrever essa suposta ambiguidade do que o Bloc Québécois. Embora o partido defenda de unhas e dentes uma legislação recém-aprovada onde o mote inicialmente seja a defesa de uma secularização, a iniciativa tem um objetivo que na prática é islamofóbico, ao impedir as pessoas de prestar ou receber serviços públicos se estiverem com indumentárias religiosas, ainda que também sejam culturais. No entanto, o mesmo Bloc Québécois também reafirma liberdades individuais como a identidade de gênero, o casamento igualitário e o direito ao aborto. A primeira proposta remete a propostas típicas da direita, mas a segunda é tida como bandeira essencial da esquerda. Afinal, o Bloc Québécois é esquerda ou direita? Ou ainda, existiria um centro para enquadrar a agremiação?

Notei que existe, mesmo considerando algumas questões mais antagônicas como a política de extrativismo de combustíveis fósseis, a questão indígena ou políticas voltadas à proteção da população LGBT+, um certo alinhamento nas propostas dos partidos políticos canadenses, salvo as propostas do People´s Party of Canada (PPC), onde existe um claro alinhamento com o conservadorismo libertário da extrema-direita ocidental. Consequentemente, isso se traduz no próprio desenho do prisma político canadense: ele tende muito mais ao centro, dentro da nossa visão comum de bússola política. Portanto, fica mais difícil enxergar um maniqueísmo político no Canadá, ainda que o calor dos debates e da campanha desta eleição federal tentem criar tal desenho no discurso dos líderes. Enfim, isso faz parte do jogo político em qualquer democracia no planeta.

A bússola política e como ela contribui para demolir o maniqueísmo político

Há alguns anos, descobri o Political Compass. É um projeto que busca informar e demonstrar às pessoas de que se existe algo que demonstra com perfeição a diversidade do espectro político. Explica como a política não se limita a uma dualidade esquerda x direita. Finalmente, demonstra que os exemplos puros de exposições ideológicas na política são frequentemente associadas aos modelos mais totalitários e menos empáticos, como o nazismo ou o comunismo soviético.

O site possui um teste, onde você pode verificar onde o seu espectro ideológico se enquadra dentro do que eles chamam de bússola, sob dois aspectos: o econômico, dentro da noção clássica da esquerda socializante e heterodoxa para a direita austera e mercantilista; e o social, dentro da noção do autoritarismo ou da estrita flexibilização das liberdades individuais. Existem outros modelos, e a própria CBC desenvolveu o próprio, para as eleições federais, considerando as peculiaridades da realidade canadense. Resolvi verificar como eu me sairia no espectro político canadense. O resultado foi bem interessante:

Teste de Political Compass da CBC

O resultado definitivamente tira meu espectro ideológico de um clichê ou maniqueísmo político.

“Esquerda” ou “Direita”? O quanto um maniqueísmo político pode ser frágil

Eu sei que sou considerado “esquerdista” por muitas pessoas, por conta de minha matriz ideológica social. Acredito muito no modelo canadense – seguido e mantido mesmo por conservadores – das pessoas terem a mais ampla liberdade de seguir suas vidas pessoais. Portanto, o único determinante para delimitar a liberdade pessoal de alguém, em minha opinião, é o bem-estar alheio (o que distingue, por exemplo, um pansexual de um pedófilo). Isso não me torna automaticamente alinhado e favorável com tais decisões pessoais. Sou pessoalmente contra o aborto, e não me espere vendo fumando um baseado por aí – eu ODEIO fumo, seja tabaco, maconha ou narguilé. Porém, minha escolha pessoal jamais deve se traduzir em imposições ao outro. Não é um exercício de militância, é apenas empatia.

Entretanto, ainda que eu acredite na importância de um Estado de bem-estar social é importante para manter uma sociedade mais funcional e civilizada, eu sei que não existe almoço grátis. Políticas públicas geram despesas, e a gestão fiscal desses custos deve ser muito bem dosada e responsável, para que haja sustentabilidade de tais políticas para as próximas gerações. Não é à toa que uma das líderes mundiais que mais admiro (se não a que mais admiro atualmente) é a Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, que equilibra bem essas noções de austeridade econômica e princípios sociais humanitários.

Essas duas semanas de debates, conversas e podcasts com o Japa foram enriquecedoras nesse sentido. Só me ajudou a aumentar ainda mais a percepção de como a complexidade canadense também contribui para inibir percepções maniqueístas, divisivas ou reducionistas na política. Surpreendi e fui surpreendido. Somos mais do que esquerda ou direita, conservador ou progressista. Somos pessoas, e vamos muito além do preto ou branco.

Aprender, ensinar, compartilhar

Ainda nem pisei direito no Canadá, mas o conhecimento adquirido e suas lições me ensinaram a esquivar da nossa tendência permanente de criar e ficar em silos, bandeiras, casinhas. E tudo o que precisamos é de um pouco de empatia. Basta tentar compreender melhor a visão de mundo sob o ponto de vista de nosso vizinho. O resultado final será uma sociedade mais civilizada e amigável para todos. Menos maniqueísta, menos reducionista, porém mais perceptiva do seu próximo, e consequentemente mais feliz.

Aprendi muito nas últimas semanas sobre um dos tópicos que mais me chamam a atenção, que é a política. Portanto, achei sábio compartilhar um pouco as lições aprendidas. Acima de tudo, espero também poder contribuir e compartilhar, e crescer juntamente com todos vocês. Nunca existe conhecimento demasiado. Todos podemos aprender, ensinar, compartilhar. Espero poder compartilhar aqui novos aprendizados!